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Inconstitucionalidades da Reforma - IV

Negociação individual de jornada

Publicado: 16 Agosto, 2017 - 17h57

Escrito por: Douglas Martins, advogado da Conticom

Neste quarto artigo da série inconstitucionalidades da reforma trabalhista, trataremos do acordo individual escrito para compensação de horas, previsto na nova redação do artigo 59 da CLT. A compensação de horas conhecida como banco de horas, segundo a nova redação, poderá ser pactuada por acordo direto e escrito entre patrão e empregado, sem qualquer intervenção da entidade sindical. O tema naturalmente, está vinculado à jornada de trabalho, matéria constitucionalmente protegida.

A Constituição Federal dispõe que a duração da jornada de trabalho normal corresponde a oito horas diárias ou quarenta e quatro horas semanais. Também prevê a possibilidade de compensação de horários e redução da jornada, estabelecendo que tais compensações demandam acordo ou convenção coletiva. Ou seja, a matéria está constitucionalmente regulamentada de modo a impedir que as modificações da jornada de trabalho ocorram por entendimento individual.

Como se percebe, a nova redação do art. 59 da CLT, em especial os parágrafos 5º e 6º, conflita direta e abertamente com o disposto no art. 7º, inciso, XIII da Constituição Federal. Como pode uma lei dispor tão acintosamente contra a Constituição? Para a Constituição, compensação de jornada é matéria de norma coletiva. Para a contrarreforma, não. Da maneira como foi redigido, o art. 59 está morto. Mas estamos diante de um retrocesso social tão grande que o triunfo do bizarro passou a normal.

O que chama atenção na redação da contrarreforma é a clara orientação antissindical, inclusive neste ponto. Não se trata propriamente de um direito individual a ser exercido diante do empregador. Pelo contrário, trata-se de tornar mais vulnerável o trabalhador individual diante do poder patronal. Colocado isoladamente para negociar, o trabalhador se torna presa fácil, visto ser natural a quem precisa evitar conflitos que ameassem o emprego. Na prática, a negociação individual é contrato de adesão.

A fragilidade do trabalhador isolado foi considerada pela norma constitucional que impõe a negociação coletiva como garantia da parte mais fraca. O que a invenção da negociação individual faz é romper com a garantia. A “reforma” da CLT neste ponto não é inconstitucional apenas porque afronta a literalidade da Constituição. É inconstitucional porque viola o sistema, atacando-o em seu princípio de proteção, invertendo-lhe o sentido, acrescentando um “sim” onde a Lei Maior diz “não”.

Embora a contrarreforma se fantasie de modernização, arapucas jurídicas como a negociação individual de jornada almejam apenas liquidar conquistas e garantias históricas dos trabalhadores. Excluir sindicatos de negociação de jornada significa estender o Estado de Exceção ao Direito do Trabalho. A Constituição é “reescrita” à força sob a ótica predatória da exploração sem limites. Por isso há quem defenda plebiscito revocatório da contrarreforma, verdadeira aberração jurídica. Faz todo sentido.