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Programa "Minha Casa" reacende construção

Um dos setores da economia que demonstram reaquecimento depois de um planejamento forte no(...)

Publicado: 25 Maio, 2009 - 08h56

Escrito por: DCI

Um dos setores da economia que demonstram reaquecimento depois de um planejamento forte no primeiro trimestre, por conta de um pacote anunciado pelo Governo Federal que prevê a construção de um milhão de residências, além de incentivos para a compra de imóveis de até R$ 130 mil, faz com que a construção civil, que chegou a bater recordes de vendas e lançamentos ano passado, comece a deslanchar de novo, depois de começar o ano à mingua, por conta da freada das construtoras e incorporadoras nos lançamentos, ao verem necessidade de cautela para sentir os impactos dos níveis de desemprego e da renda do trabalhador.

 

Com um déficit habitacional estimado em 8 milhões de imóveis, sendo necessários aportes de até US$ 450 bilhões, para os próximos 15 anos, por exemplo, o setor tem como porta-voz o presidente do Sindicado da Habitação (Secovi-SP), João Crestana, entrevistado pelos jornalistas Roberto Müller, Márcia Raposo, diretora de Redação do DCI, e Milton Paes, da rádio Nova Brasil FM.

 

Roberto Müller: Comente esse pacote habitacional, o "Minha Casa, Minha Vida", que, parece, deve construir um milhão de casas. É verdade isso? Vai dar para fazer?

João Crestana: Eu acho que depende muito de nós, eu acho que as condições estão postas, é um plano abrangente, é um plano até certo ponto aberto, que permite alterações, permite que a sociedade dialogue e que traga modificações. É possível, sim, talvez até o final de 2011 isso se realize.

 

Roberto Müller: Estou acostumado a ouvir que depende do governo, e agora o senhor disse que depende de nós. Isso faz supor que o governo está fazendo a parte dele?

João Crestana: Faz supor, sim, faz supor que o País está mais maduro. Acho que eu faço um paralelo com o homem como pessoa física: quando somos menores, tudo depende do nosso pai, e quando ficamos um pouco mais velhos, começamos a ver que depende de nós. O governo, a oposição e a sociedade como um todo têm de se fechar dentro de um determinado feixe de objetivos e metas e ir atrás disso. Eu acredito que o governo está refletindo a conclusão a que a sociedade chegou, que é: "precisamos de habitações". Há uma falta de oito milhões de habitações no País. A sociedade brasileira chegou a esta conclusão e os governos estão vendo que é essencial e inevitável, então o Governo Federal está fazendo um programa muito bom voltado para essa necessidade, como também vários governos estaduais, a exemplo do Governo do Estado de São Paulo, que está se dedicando a fundo também a um programa habitacional, em conjunto, independentemente de partidos.

 

Roberto Müller: As prefeituras também?

João Crestana: A Prefeitura de São Paulo e o governo estadual paulista estão cientes desse programa da esfera federal, e independentemente disso estavam fazendo uma determinada atividade que levava também à construção de mais casas. Agora, eles estão tentando se condensar e operar atividades que, de uma forma ou de outra, se ajudem mutuamente para chegar a uma meta rapidamente.

 

Roberto Müller: Nós estamos dizendo, por acaso, que finalmente há um programa de estado, não de governo?

João Crestana: Acredito muito em um programa de estado. Creio que para a nossa sociedade conseguir fazer 8 milhões de habitações em 15 anos -porque são R$ 350 ou R$ 450 bilhões, isso é muito dinheiro, mesmo para um país como o Brasil que é forte- é necessária uma política que não pode depender só de um governo que está hoje aí. Ela tem de ser feita para 15 anos, para 20 anos. Essa atitude do Governo Federal hoje, "Minha Casa, Minha Vida", é o primeiro passo muito inteligente deste governo para essa política perene de habitação. Com esse primeiro passo de um milhão de habitações, eu acho que sim, a sociedade está caminhando para uma política de estado.

 

Milton Paes: Esse programa aquece a economia, nós sabemos que a construção civil é um mercado que gera empregos, e dessa forma ele influi no segmento e nas imobiliárias e incorporadoras. Mas o programa é dividido, então acho interessante explicar como funciona.

João Crestana: Quem toma conta desse programa, em última análise, somos nós. Somos responsáveis por isso e temos de fazer acontecer. O programa na verdade são dois, trazendo dois elementos separados. Um deles trata das famílias que ganham até três salários mínimos, ou seja, R$ 1,45 mil mais ou menos é o limite máximo das famílias para a primeira faixa, para a qual o governo vai definir preços no País, e esses valores serão regionalizados: cada região terá um diferente. As empresas devem apresentar projetos, que são aprovados pela Caixa Econômica, limitados pelo preço possível, e a Caixa vai atribuir esses projetos, esses conjuntos de casas, a famílias que ganham até 3 salários que são registradas em COHABs, em CDHUs ou entidades de bairro e sindicatos que, de uma maneira estruturada, apresentarão a demanda. Essas famílias comprarão, pagarão prestações de 10% do seu salário - de R$ 100 a R$ 150, mais ou menos- e com isso comprarão habitações de R$ 45 mil, ou R$ 50 mil, o que significa um subsídio do orçamento geral da União, direto, o que significa dinheiro dado a fundo perdido, para essas famílias, se possível de responsabilidade da mulher da família. De 80%, 90%, podendo chegar de R$ 30 mil a R$ 40 mil, são de subsídio para a família que estiver comprando especificamente, então, este é um programa. Ele estará sendo feito de uma maneira diferente, porque a Caixa compra e é financiado pelo Orçamento Geral da União. O outro programa é para as famílias que ganham de 3 a 10 salários, famílias que têm poder de pagar uma prestação um pouquinho maior. Então é um financiamento, dado pelo FGTS [Fundo de Garantia do Tempo de Serviço], e não só um financiamento, mas um pequeno subsídio, um pouco maior para aquela família que ganha 3,5 salários e um pouquinho menor para aquela que ganha até 6 salários. Aquela que ganha três salários e mais um pouco poderá ganhar um subsídio de R$ 23 mil mais ou menos, e aquelas famílias que ganham de 6 a 10 salários, não ganham subsídio direto, mas as taxas de juros serão boas, até 6 salários poderão ser taxas de juros que giram de 4,5% a 6%, e com isso elas terão condições de comprar e pagar uma prestação condizente. E tem alguns outros subsídios também em seguro, em Fundo de Garantia e em taxas cartoriais.

 

Márcia Raposo: Neste momento você está com todos os seus projetos elencados, você, como empresário da construção, seus colegas, quais daqueles projetos que vocês têm já podem se encaixar nesse perfil do projeto habitacional do plano? No DCI temos conversado com vários empresários que dizem ter projeto: eles vão se encaixar nisso? Para o setor de materiais de construção é uma aceleração forte: como está conversa da indústria da construção com os fabricantes de material de construção? Eles vão ter de se programar muito para aquela medida, para aquele tipo ou preço de material. Como está essa conversa?

João Crestana: Eu acho também que nós estamos chegando a um momento, no País, de sustentabilidade, de maturidade, inclusive nesse setor de material de construção. Não se admite mais hoje no Brasil um aumento exagerado de preço. Por exemplo, no ano passado houve aumento exagerado de cimento e de aço, mas já começa agora a haver uma certa reversão, uma certa conscientização de que isto não é admissível. Então, os preços têm de ser razoáveis para dar rentabilidade à empresa, mas não pode haver exagero, porque se houver exagero, a sociedade estará vigilante para adotar outras medidas, como trazer material do exterior, ou incentivar a própria indústria nacional a abrir mais fábricas. Então essas indústrias já estão conscientes de que haverá demanda forte e elas estão investindo. Já temos visto informações da indústria de cimento e de aço no sentido de reforçar a produção para que haja material para essas obras que estarão ganhando fôlego, ganhando mais força nos próximos, 6, 7, 8, 9 meses, para que haja material aqui no Brasil. É um problema, sim, é uma dúvida que teremos, mais que um problema. Eles estarão trabalhando em conjunto com o governo, com as indústrias e as empresas para tentar equilibrar a oferta e a demanda de material, porque o Brasil tem, sim, condições de produzir esses materiais a um preço razoável e sem necessidade de importação. A nossa indústria, os nossos insumos são locais. Eu acho que a indústria toda está madura. Tenho certeza de que vai haver um comprometimento e todos vão produzir. Pode ser que em determinado momento haja uma pequena necessidade de ajustar, mas tenho certeza de que todos estarão unidos.

 

Roberto Müller: Em um setor como o de cimento, por exemplo, que é razoavelmente concentrado, não há risco de um aumento de preço?

João Crestana: Eu acho que nós estamos acostumados com um passado em que havia isso. Mas hoje está havendo um nível de informação muito grande, nós estamos aqui falando disso, tanta gente fala, a própria indústria de cimento tem conversado conosco, tem sido cobrada pelo governo também a ser responsável por isso. Sabemos que é ruim quando uma indústria está muito concentrada. Mas o País está maduro e não vamos permitir que o fato de haver poucas empresas nas indústrias do cimento e do aço... mas eles não vão fazer esse abuso, temos certeza de que não haverá esse abuso. E a sociedade inteira estará com eles de uma maneira madura, pois eles estão demonstrando isso, até porque estão dentro do programa, participando. Existem, por exemplo, incentivos para IPI e temos certeza de que esses incentivos serão repassados para o comprador também.

 

Roberto Müller: Esse fantástico número de casas que devem começar a construir é para valer? Quando você acha realmente que vão começar a ser entregues essas habitações? E quem é que toma conta para que isso saia mesmo, para que não comece burocracia, com atraso, porque subiu o preço disso ou daquilo, porque esta ou aquela empresa não fez a parte dela. Quem é responsável por isso?

João Crestana: Eu acho que esse plano, como um grande passo para os próximos 15 anos, uma política perene de habitação, para um milhão de casas, ele é para valer, sim. Nos últimos dois anos, o governo tem escutado as entidades e as empresas. O próprio presidente Lula está pessoalmente muito interessado, e a ministra Dilma [Rousseff], e hoje nós notamos que nesse primeiro passo, de um milhão de habitações em dois a três anos, a ministra tem sido muito forte, muito atuante, de maneira direta. A cada 30, 40 dias, ela reúne empresas e entidades e cobra as metas ponto a ponto: 'Foi feito isso? Qual o setor da sua empresa, qual unidade que vai produzir mais de um determinado tipo de casa ou apartamento?' Ela tem realmente uma cobrança passo a passo, muito firme, muito interessada no projeto. E eu acho que sim, isso vai começar a acontecer rapidamente. Aquela primeira fase do 0 a 3 salários é inédita, é algo que tem de ser montado realmente, pois nunca houve uma política voltada para essa faixa, então vai demorar um pouco mais para que os resultados se manifestem mais fortemente. Mas daqui a 4 ou 5 meses os projetos estarão em andamento, e daqui a 12, 14 , 15 meses, começam a ser entregues as primeiras casas dessa faixa salarial. Já naquele outro setor, de 3 a 10 salários, isso com certeza já é de empreendimentos que já estão por aí, as pessoas já estão comprando e as empresas, a partir do dia 25 de março passado, já estavam no programa, porque são empreendimentos que já estão pelas cidades afora, com unidades disponíveis que custam menos de R$ 130 mil, financiadas pela Caixa, e dentro desse programa com subsídios, facilidades, há possibilidade, sim, de daqui a 6, 7, 8, 9 meses haver entrega de habitações. Daqui a 8 meses haverá um nível substancial de unidades.

 

Roberto Müller: E tem terreno para todas essas habitações?

João Crestana: Se pensarmos em termos de Brasil, sim, há oportunidades pelo País afora. Tivemos uma reunião da Comissão Nacional da Indústria Imobiliária com 15 estados presentes e é testemunho de todos eles que há terrenos, sim, há empreendimentos já em andamento, construtoras devotadas, prefeituras, estados, que estão se dedicando a fazer com que o 0-a-3 funcione e com que as 3-a-10 se acelerem, porque esses já estão em andamento e dependem das empresas e da Caixa Econômica Federal. Há terrenos, sim, em alguns lugares, como, por exemplo, cidades que têm regiões metropolitanas, onde os terrenos são mais caros, mas regiões centrais precisam de um gás extra, como, por exemplo, São Paulo, esperamos que haja uma certa participação e hoje já temos o anúncio que tanto a prefeitura como a Secretaria Estadual da Habitação estarão se engajando nesse grande mutirão de construção de casas. Porque, eu repito, para que isso aconteça, o envolvimento tem de ser da sociedade toda, e a sociedade inclui prefeituras, estados e, com isso, talvez até regiões centrais das cidades possam ser abrangidas em certas condições, com certa ajuda local.

 

Márcia Raposo: Será o momento então, de o Brasil começar o programa que ele sempre quis de "desfavelização" dos grandes centros urbanos? Porque há terrenos nessas regiões. Por exemplo, aqui perto da redação está essa favela enorme, próxima da Rede Globo e da Ponte Estaiada, e aquele terreno deve sobrar, porque era um terreno devoluto - sem pagamento de IPTU, parte das pessoas da família faleceram etc. O senhor acha que esse programa vai ajudar a desfavelização dos grande centros urbanos, ou não há condições ainda? Ou são problemas diferentes?

João Crestana: Acho que os programas são diferentes, mas o problema da favela é um problema instituído, hoje, e ele deve ser atacado de alguma maneira também. Sim, é o momento de atacá-lo, talvez de uma maneira indireta, e serão oferecidas casas que as pessoas que moram hoje na favela, poderão se habilitar a comprar, então é uma oferta de produtos concorrentes da favela. Por outro lado, já estão sendo feitos programas: por exemplo, aqui a Secretaria da Habitação do Estado de São Paulo está fazendo um programa exemplar na cota 200, cota 300, cota 400 da Serra do Mar, com um projeto social belíssimo, com a mudança dessas famílias que moram nessas favelas, que inclusive trazem problemas ambientais para a Serra do Mar, e as estão transferindo para a área de Cubatão de uma maneira responsável e economicamente viável. Então eu volto a dizer que a sociedade está consciente desse problema, e que ele está sendo atacado. A oferta de novas residências é um outro problema, mas eles se interligam. É isso: são programas diferentes, mas o momento é agora.